Queda de 5% anual é compensada por crescimento trimestral de 3,3%, apontam relatórios especializados
Enquanto parte do mercado segura investimentos, esperando o cenário clarear, um movimento discreto e bilionário corre nos bastidores do setor de logística. E não é coincidência. A volatilidade, que para muitos é sinônimo de risco, para outros significa apenas uma palavra: oportunidade.
O mercado global de fusões e aquisições (M&A) nunca foi uma linha reta. E, quando olhamos especificamente para setores como logística, transporte e supply chain, a instabilidade econômica parece funcionar mais como combustível do que como freio.
“Quando tudo está muito previsível, os preços estão lá em cima. É nas incertezas que surgem os melhores negócios”, resume Jefferson Nesello, sócio-fundador e diretor da ZAXO, boutique de M&A especializada em middle market, que tem batido recordes de transações no Brasil.
Apesar das incertezas macroeconômicas, o setor de logística segue movimentando o mercado global de M&A com fôlego. De acordo com o relatório Transportation & Logistics M&A Pulse, Q4 2024, da consultoria PMCF Investment Banking, foram registradas 511 transações globais no setor ao longo de 2024, uma queda de 5% em relação a 2023, mas ainda assim representando um volume expressivo de negócios. Já no primeiro trimestre de 2025, o número chegou a 250 transações, segundo levantamento da R.L. Hulett & Company, um crescimento de 3,3% em relação ao trimestre anterior, mesmo com uma leve queda de 4,9% em comparação ao mesmo período do ano passado.
Por aqui, o ritmo acelerado junto ao segmento é semelhante. O setor logístico manteve o ritmo de negócios no Brasil no início de 2025. Entre janeiro e março, o país registrou cerca de 399 transações de fusões e aquisições, sendo que aproximadamente 40 ocorreram em logística e transporte, segundo estimativas baseadas em dados históricos.
Esse número é uma projeção baseada na participação histórica do segmento em M&As no país, que costuma variar entre 8% e 12% do total de transações, o que corresponde a algo entre 32 e 48 negócios, de acordo com análises de anos anteriores feitas por consultorias como PwC, KPMG e pela própria TTR Data – já que dados segmentados oficiais ainda não foram divulgados.
Um exemplo desse movimento no Brasil foi em setembro de 2024, quando a CMA CGM adquiriu uma participação de 48% na Santos Brasil, operadora de terminais portuários e logística, em uma transação de R$ 6,3 bilhões, com opção de OPA para aquisição total. A transação envolveu a compra de aproximadamente 215 milhões de ações e 40 milhões de Global Depositary Receipts (GDRs) da Santos Brasil, que opera terminais portuários estratégicos no Brasil, incluindo o Tecon Santos, o maior terminal de contêineres do país.
Outro exemplo recente e expressivo dessa movimentação no Brasil foi em abril de 2025, a Lenarge, uma das principais empresas de transporte do Brasil, anunciou a aquisição da Zero Carbon Logistics, líder em logística sustentável e pioneira em veículos 100% elétricos e movidos a Gás Natural Liquefeito (GNL). A fusão amplia a atuação da Lenarge em serviços de transporte sustentável e armazenagem, atendendo setores como mineração, siderurgia, agronegócio e indústria pesada. Embora os valores da transação não tenham sido divulgados, estima-se que o faturamento conjunto alcance R$ 2 bilhões no primeiro ano, representando um crescimento de 30% para a Lenarge.
Esse dinamismo reflete o próprio setor. Hoje, o Brasil conta com 283 startups logtech ativas, quase metade focadas em gestão logística, além de operações em entrega, logística reversa, estoque e marketplaces de frete, segundo o Distrito LogTech Report (KPMG, Volvo e VLi). Com custos operacionais que somam R$ 749 bilhões, equivalentes a 12,7% do PIB (ILOS/CNT), o mercado de logística mantém sua relevância e atratividade em M&A, puxado pela busca por eficiência, digitalização e adequação a novas demandas de sustentabilidade.
Ronaldo Rodrigues, senior associate da ZAXO e pesquisador do tema, explica que a relação entre incerteza econômica e M&A é muito mais complexa — e surpreendente — do que parece. Ao analisar mais de 20 mil transações globais entre 1990 e 2023, Rodrigues percebeu que, em setores altamente competitivos como logística, a incerteza não paralisa negócios; ela cria janelas de oportunidade.
“O impacto médio da incerteza na precificação reduz em cerca de 6,7% o valor dos ativos. Isso abre margem para negociações mais vantajosas. Mas, quando o ativo tem alto potencial de crescimento, essa redução praticamente desaparece”, explica. Nesses casos, o impacto cai para menos de 1%.
Mais do que isso: em mercados competitivos como logística, o prêmio pago pelos compradores pode subir até 19% quando há clareza sobre as oportunidades futuras, mesmo em meio a um cenário macroeconômico turbulento. “É simples: quem enxerga o valor do ativo no longo prazo ignora a fumaça do curto”, resume Rodrigues.
Não é à toa que o setor virou protagonista nas teses de M&A. Digitalização, inteligência artificial, automação, ESG e a pressão constante por eficiência criaram um terreno fértil para consolidações e expansão via aquisição.
Esse movimento global já pode ser observado nas transações mais recentes. A DSV, gigante dinamarquesa, acaba de concluir a compra da alemã DB Schenker por €14,3 bilhões, consolidando-se como uma das líderes mundiais em logística integrada. A CEVA Logistics, do grupo francês CMA CGM, também investiu pesado e adquiriu a divisão logística da turca Borusan por US$ 440 milhões. No Canadá, a Purolator incorporou a Livingston International por US$ 684 milhões, enquanto, nos Estados Unidos, a Schneider National comprou a Cowan Systems por US$ 390 milhões e a Ryder adquiriu a Cardinal Logistics por US$ 297 milhões. As transações não se limitam à expansão operacional: o setor também mira tecnologia. A australiana WiseTech comprou a e2open, reforçando sua plataforma de software global, e a FedEx incorporou a RouteSmart Technologies, especializada em IA para otimização de rotas.
Leonardo Grisotto, também sócio da ZAXO, explica: “A logística vive um efeito sanduíche. De um lado, custos operacionais em alta e exigências regulatórias mais rigorosas. Do outro, uma demanda crescente por agilidade, sustentabilidade e eficiência. As empresas que não se adaptam viram alvo. As que têm caixa, ou acesso a investidores, saem às compras.”
E o apetite é real. A própria ZAXO, que já participou de mais de R$ 7,5 bilhões em transações no Brasil, vê no pipeline de 2025 uma participação relevante do setor de logística: mais de 20% dos projetos ativos hoje estão diretamente ligados à cadeia logística, seja transporte, armazenagem, distribuição, operação logística ou tecnologia para mobilidade.
Um exemplo emblemático é o projeto de M&A que levou a Sascar, empresa de tecnologia na área de gestão de frotas, a ser adquirida pela multinacional Michelin. Sob a assessoria da empresa, o valor de mercado da Sascar cresceu de R$ 170 milhões para R$ 1,6 bilhão em pouco menos de cinco anos.
O estudo liderado por Rodrigues também revela outro dado de impacto: para cada 1% de aumento nas growth options percebidas no ativo, o valor da empresa sobe 16%, mesmo em cenários de incerteza. Na prática: quanto maior o potencial de expansão e inovação, menor o desconto aplicado pelo mercado diante do risco macroeconômico.
Jefferson Nesello conclui: “Quem entende de logística sabe que este é um setor que não para. Com crise ou não, as pessoas continuam consumindo, e as cadeias de supply e distribuição continuam rodando. O que muda é quem está mais preparado para operar com eficiência. E, nesse jogo, quem tem acesso a capital e visão estratégica leva vantagem.”
“Estamos numa janela de oportunidade. Pressão por eficiência e aumento de demanda faz com que grandes operadores logísticos, fundos e até players internacionais estejam com os olhos bem abertos para o mercado brasileiro”, completa Grisotto.