Mirian Gasparin - No mercado de fusões e aquisições nem tudo se resume a números

 M&A não é apenas comprar ou vender empresas, é construir pontes entre pessoas

Enquanto cifras bilionárias circulam nos corredores de empresas e fundos de investimento, o mercado de fusões e aquisições (M&A) no Brasil mostra que nem tudo se resume a números. De janeiro a agosto de 2025, a América Latina movimentou cerca de US$ 33 bilhões em capital, somando investimentos, trocas de participação e incorporações, com o Brasil liderando a região com 1.142 operações. Só nos quatro primeiros meses do ano, foram R$ 56,5 bilhões em 537 transações. Mas, por trás da lógica financeira, dos números e das planilhas, existe um elemento igualmente determinante: as pessoas. São elas que, em última instância, definem se uma fusão será bem-sucedida ou apenas ficará no papel.

“Muita gente encara M&A como uma sequência de cálculos de valuation, cláusulas contratuais e auditorias detalhadas. Na prática, negócios não se fundem; pessoas é que se unem. Cada operação envolve culturas, histórias e expectativas diferentes. Alinhar esses elementos, mais do que encontrar sinergias financeiras, é o verdadeiro desafio”, destaca Leonardo Grisotto, sócio da Zaxo M&A Partners.

Grisotto lembra de uma operação recente no setor de tecnologia que, no papel, parecia perfeita, com margens complementares, produtos aderentes e mercado promissor. Ainda assim, não avançou. “O motivo? Falta de confiança entre os times. Um detalhe que não aparece em planilhas, mas que é decisivo no resultado. Isso mostra que M&A não é apenas comprar ou vender empresas, é construir pontes entre pessoas”.

Complexidade das fusões

Outro exemplo que ilustra a complexidade das fusões no Brasil envolve grandes grupos do setor de varejo e moda. Um caso emblemático é a fusão entre Arezzo (ARZZ3) e o Grupo Soma (SOMA3), confirmada em fevereiro de 2024 e concluída em julho do mesmo ano, que deu origem ao colosso Azzas 2154, avaliado inicialmente em R$ 13 bilhões. Desde o anúncio, o mercado demonstrou ceticismo quanto aos ganhos prometidos.

Hoje, a Arezzo vale R$ 5,7 bilhões e o Grupo Soma R$ 4,85 bilhões — uma queda de aproximadamente 20% em relação às avaliações iniciais, uma desvalorização combinada de cerca de R$ 2,5 bilhões.

Analistas apontam que o desempenho negativo no quarto trimestre de 2024, o primeiro após a integração, aliado a dúvidas sobre vendas cruzadas e à capacidade de integração das empresas, contribuiu para a perda de valor.

A empresa queimou caixa, aumentou sua dívida e registrou prejuízo antes de impostos, impactando a confiança do mercado. As ações chegaram a cair 12% em um único dia, recuperaram 5% no seguinte, mas voltaram a despencar 10%. Em agosto de 2024, o valor das ações superava R$ 50; hoje está em torno de R$ 24, resultando em avaliação de mercado de R$ 4,96 bilhões.

Dessa forma, mesmo quando os números e sinergias financeiras parecem perfeitos, fatores como alinhamento cultural, confiança entre equipes e integração operacional podem comprometer o sucesso da operação. “É o que se observa em várias transações recentes: sem planejamento estratégico e gestão cuidadosa das diferenças culturais, o potencial de valor não se realiza, reforçando que M&A não é apenas sobre finanças, mas sobre pessoas e culturas organizacionais”, comenta Grisotto.

Preparação das empresas

Para Jefferson Nesello, sócio-fundador da Zaxo, outro ponto frequentemente negligenciado é a preparação das empresas. “M&A não começa quando alguém decide vender. Começa muito antes, com empresas estruturadas, com governança, processos claros e propósito definido. Isso faz toda a diferença: uma empresa preparada é vista como oportunidade estratégica, enquanto outra é apenas um ativo à venda.”

Setores como tecnologia, fintechs, varejo digital, energia limpa e infraestrutura lideram o volume, refletindo a migração do capital para negócios mais resilientes, sustentáveis e escaláveis.

“Na Zaxo, cada operação é tratada como um organismo vivo”, explica Nesello.

“A due diligence não é apenas uma auditoria; é um diagnóstico. O valuation não é apenas um número; é um retrato do presente baseado nas escolhas do passado. E o contrato final não é o fim, é o início de um ciclo que precisa ser bem conduzido para gerar valor real”, afirma Nesello.

Olhando para 2026, o executivo prevê crescimento de operações cross-border, entrada de novos investidores institucionais e maior rigor regulatório. “Isso exige que as empresas estejam preparadas, com governança sólida, transparência, cultura bem definida e visão estratégica de longo prazo. Ignorar isso é se expor a conflitos e perdas”, alerta.

Para Leonardo, M&A exige também sensibilidade e coragem.

“É preciso coragem para dizer ‘não’ quando os valores não se alinham, para discutir vulnerabilidades e assumir que nem toda fusão precisa acontecer. Às vezes, a melhor decisão é seguir caminhos diferentes”,diz Leonardo Grisotto.

No fim das contas, diz ele, o mercado ainda trata M&A como uma corrida por quem compra ou vende mais rápido. “Eu vejo como a arte de integrar, transformar sinergias em resultados, sem perder a essência do que cada empresa tem de único. Porque fusões e aquisições não são apenas transações. São transformações — de empresas, de pessoas e de mercados”, conclui.

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