Gazeta Mercantil - Mesmo em tempos incertos, operações de M&A expandem globalmente

Instabilidade geopolítica e econômica não freiam fusões e aquisições, que seguem como estratégia-chave para crescimento e inovação

Apesar de um cenário global marcado por incertezas — incluindo o impacto do novo governo americano, que elevou o índice de incerteza econômica a níveis comparáveis aos da pandemia de Covid-19, e o prolongamento de conflitos armados em diferentes regiões — as operações de fusões e aquisições (M&A) continuam a se expandir em ritmo surpreendente. Para investidores atentos, esse ambiente volátil tem se revelado fértil para oportunidades estratégicas e reposicionamento de portfólios.

Segundo dados da Bloomberg e do S&P Global, o volume global de transações de M&A deve encerrar 2025 com crescimento entre 5% e 7% em relação a 2024. Os principais motores dessa expansão são a busca por eficiência operacional, a aceleração da transformação digital e o avanço de tecnologias disruptivas, como inteligência artificial e energia limpa.

“Mesmo em meio à instabilidade global, o mercado de M&A segue bastante ativo. O que observamos é uma mudança de perfil no apetite dos investidores, mais voltado para operações seletivas, com racional estratégico claro e foco em setores resilientes”, afirma Jefferson Nesello, sócio-fundador da Zaxo, assessoria especializada em M&A que opera com quatro escritórios no Brasil e que faz parte de uma rede global que conta com escritórios em 23 países.

No cenário internacional, os setores que mais se destacam em número e valor de transações são:

  • Tecnologia da Informação: com 144 operações apenas no primeiro trimestre de 2025, segundo a KPMG.
  • Saúde e bem-estar: incluindo HealthTechs e plataformas de monitoramento remoto.
  • Energia renovável e infraestrutura sustentável: impulsionadas pela agenda ESG e pela transição energética.
  • Serviços financeiros e fintechs: em resposta ao avanço do open finance e à pressão regulatória.
  • Consultoria e serviços profissionais: com foco em escala e digitalização.

No cenário internacional, três das maiores e mais relevantes transações de M&A anunciadas ou concluídas em 2025 foram:

Chevron adquiriu a Hess Corporation

  • Valor: US$ 53 bilhões.
  • Setor: Energia.
  • Em julho de 2025, a Chevron concluiu a aquisição da Hess Corporation após vencer uma arbitragem internacional. O principal ativo é a fatia da Hess no bloco offshore de Stabroek, na Guiana, com mais de 11 bilhões de barris equivalentes de petróleo, um dos campos mais promissores do setor nos últimos anos.​

Brookfield Infrastructure comprou a Colonial Enterprises (Colonial Pipeline)

  • Valor: US$ 9 bilhões.
  • Setor: Logística de energia.
  • A Brookfield Infrastructure Partners finalizou a compra da Colonial Enterprises, dona da Colonial Pipeline, a maior rede de dutos de combustíveis dos EUA, ampliando seu portfólio de infraestrutura na América do Norte. O negócio traz relevância estratégica e peso regulatório significativo.​

Nippon Steel adquiriu a U.S. Steel

  • Valor: US$ 14,9 bilhões.
  • Setor: Siderurgia.
  • A gigante japonesa Nippon Steel adquiriu a tradicional U.S. Steel em junho de 2025, criando uma potência global do setor. A transação representa uma importante expansão para mercados norte-americanos e posiciona a empresa entre os líderes mundiais em capacidade e integração das operações em diversos continentes.​

Essas operações se destacaram por seus volumes, pelo impacto na reorganização dos setores estratégicos globais e por reforçarem tendências de consolidação e internacionalização em energia, infraestrutura e indústria pesada.

Brasil na rota dos investimentos

No Brasil, o movimento de M&A também mostra resiliência. De janeiro a maio de 2025, foram registradas 596 transações, um aumento de 15% em relação ao mesmo período de 2024, segundo o levantamento da PwC Brasil. Os setores mais ativos foram:

  • Tecnologia: responsável por 33% das transações.
  • Consumo e varejo: com 15% do volume.
  • Automotivo: 9%.
  • Energia e serviços públicos: 7,5%.

A maior parte das operações foi conduzida por empresas nacionais (81%), com apenas 17% dos investimentos vindos de fundos de private equity. O estado de São Paulo lidera com 52% das transações, seguido por Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina.

“Crises mundiais instigam os investidores a procurarem oportunidades fora dos mercados óbvios. O Brasil é um mercado de oportunidades praticamente infinitas — o que falta é conectar o ativo ao investidor certo”, destaca Nesello.

No cenário nacional, as operações anunciadas ou concluídas recentemente de maior destaque foram:

Fusão Marfrig e BRF: A criação da gigante da proteína MBRF, resultante da incorporação via troca de ações das operações das duas empresas, foi a maior movimentação corporativa do ano, envolvendo valores bilionários e destacando-se pelo impacto no agronegócio e na alimentação.​

Aquisição da Linx pela TOTVS: Em julho, a TOTVS adquiriu a Linx por cerca de R$ 3,05 bilhões, consolidando-se como referência em soluções de software de gestão e ampliando sua liderança no ecossistema de tecnologia para o varejo.​

Reestruturação Casa Bahia e Mapa Capital: Houve a conversão de R$ 1,6 bilhão em dívidas em participação acionária, com a Mapa Capital tornando-se acionista majoritária, representando uma das maiores transações do ano no varejo e demonstrando força nas operações de reestruturação.​

Esses negócios se destacaram pelo volume financeiro, abrangência estratégica e por envolverem setores dinâmicos e essenciais da economia brasileira em 2025.

Jefferson Nesello, sócio-fundador da Zaxo: ““É quando os valuations se tornam mais razoáveis que os investidores estratégicos conseguem entrar em negócios promissores, garantindo retorno de longo prazo”.

Due diligence mais robusta e multidisciplinar

Com o aumento da complexidade regulatória e geopolítica, os processos de due diligence também evoluíram. “Essas adaptações decorrem da necessidade de avaliação contínua mesmo após o fechamento da operação. A due diligence hoje é uma ferramenta estratégica de controle e conformidade, especialmente em práticas de ESG”, explica Sérgio Fogolin, sócio do Siqueira Castro Advogados.

Outro especialista do setor, o advogado Paulo Henrique Carvalho Pinto, sócio do Machado Meyer, complementa: “O trabalho de due diligence tem sido ampliado para incluir não apenas áreas do direito, mas também o mapeamento de riscos macroeconômicos e regulatórios. Isso é fundamental para uma precificação correta do ativo e para negociações mais equilibradas.”

A análise de cláusulas como MAC (Material Adverse Change) também ganhou protagonismo. “É importante prever que, se o impacto de mudanças regulatórias for desproporcional à sociedade-alvo em relação aos concorrentes, o comprador tenha uma porta de saída”, afirma Carvalho Pinto.

Oportunidades em meio à instabilidade

Embora o Brasil enfrente desafios como alta de juros, indefinições sobre a reforma tributária e desequilíbrio fiscal, o cenário global de instabilidade tem gerado uma queda no valor das empresas brasileiras — o que, paradoxalmente, atrai compradores estratégicos.

“Valuations ajustados sempre geram oportunidades — mas apenas para quem tem disciplina e leitura correta de risco e retorno”, afirma Nesello, que complementa: “A volatilidade reduz preços nominais, mas os ativos de qualidade continuam com fundamentos sólidos”.

Além disso, a realização da COP30 no Brasil e o fortalecimento da agenda ESG têm impulsionado transações em setores como energia limpa, mobilidade elétrica e saneamento. Investidores institucionais e fundos de private equity priorizam empresas com políticas claras de governança e sustentabilidade, reduzindo riscos e ampliando a competitividade de longo prazo.

Lições para investidores

Em momentos de incerteza, fusões e aquisições se consolidam como ferramentas estratégicas para:

  • Ganhar escala e eficiência operacional.
  • Acelerar a inovação sem depender de desenvolvimento interno.
  • Reposicionar portfólios diante de mudanças regulatórias e tecnológicas.
  • Aproveitar valuations mais baixos para aquisições oportunas.
  • Fortalecer presença geográfica e canais de distribuição.

“O M&A deixou de ser apenas uma ferramenta de crescimento não orgânico. Hoje, ele é um instrumento de transformação e reposicionamento competitivo”, conclui Nesello. “As companhias que tratam M&A como parte do seu DNA são as que saem mais fortes das crises”.

Em tempos incertos, quem se move com inteligência pode sair na frente.

E para ajudar na compreensão dos aspectos jurídicos das operações de M&A no cenário atual de incerteza extrema, a GZM conversou com dois especialistas do tema no Brasil, Sérgio Fogolin, especialista do setor e sócio do Siqueira Castro Advogados, e Paulo Henrique Carvalho Pinto, sócio da área de M&A e Private Equity do escritório Machado Meyer. Trechos da conversa estão citados na matéria e a seguir confira as entrevistas na íntegra:

GZM: As práticas de due diligence e gestão de risco estão sendo adaptadas para lidar com os novos desafios regulatórios, cambiais e geopolíticos?

Sérgio Fogolin: Sim, sem dúvida. Essas adaptações decorrem da evolução natural diante desses desafios e novas necessidades de análise. Podemos citar a necessidade de aplicação do processo de due diligence como uma ferramenta de avaliação e controle contínuo mesmo após o fechamento da operação. Essa forma de aplicar a due diligence propicia e fortalece uma maior conformidade das atividades desenvolvidas pelas empresas e pessoas com prática, por exemplo, de ESG (Ambiental, Social e Governança), minimizando eventuais contingências jurídicas e riscos reputacionais.

Além disso, esses novos desafios trazem a necessidade de aplicação de novas tecnologias para acelerar e tornar mais assertiva a conclusão da due diligence, criando-se modelos de análise do risco financeiro e cambial com base nos possíveis cenários geopolíticos, especialmente os de crise. Tudo isso se traduz em uma abordagem estratégia preventiva multidisciplinar atualizada constantemente com o uso de tecnologia de ponta.

Paulo Henrique: Sim, sem dúvidas, o trabalho de due diligence tem sido ampliado para incluir não apenas “áreas do direito”, mas também o mapeamento e avaliação de riscos potenciais ao negócio da sociedade alvo. Por exemplo, mudanças de zoneamento de uma região em que está localizado o ativo, discussões relacionadas à terceirização em curso no STF, são temas que impactam determinados setores de atuação e, portanto, precisam estar no radar do advogado para que possa ser reportado ao cliente como um potencial risco ao negócio e possa ser mensurado para negociação com a contraparte. 

No cenário atual, é fundamental que a due diligence cubra também esse tipo de discussão no judiciário e temas macroeconômicos, de forma que a parte possa tomar uma decisão de forma embasada e estruturada, inclusive para precificação correta do ativo e discussões relacionadas à indenização.

GZM: Como os riscos regulatórios e geopolíticos atuais — como mudanças de governo, sanções internacionais ou conflitos armados — afetam a condução da due diligence jurídica em operações de M&A?

Sérgio FogolinTais riscos têm impactado a condução e definição de limites da realização da due diligence. Especialmente em termos de limites da aplicação da due diligence em operações internacionais se faz necessário uma avaliação de todo o compliance regulatório que as partes da operação se submetem, a existência de embargos e restrições comerciais que possam afetar a empresa-alvo e/ou seus fornecedores, solidez jurídica no que se refere à manutenção das regras aplicáveis ao negócio e empresas envolvidos, e histórico de alterações significativas de políticas econômicas que possam afetar, de alguma forma, a empresa-alvo. Com isso, o custo da realização da due diligence tende a aumentar em face da necessidade de contratação de novos estudos e análises demandadas pela operação.

Paulo Henrique: É preciso compreender o setor de atuação da sociedade alvo e como ele pode ser impactado por questões regulatórias e pelo cenário de volatilidade atual. Há setores que, pela sua natureza, têm uma maior suscetibilidade a riscos regulatórios e geopolíticos, de forma que se torna fundamental que a due diligence envolva, por exemplo, avaliação de mudanças de lei ou precedentes sob discussão no judiciário e que possam impactar o negócio da sociedade alvo. 

Isso torna fundamental a revisão de aspectos na due diligence que, anteriormente, estavam fora do radar; por exemplo, revisão de hipóteses de vencimento antecipado ou aceleração de dívidas costumavam ser focadas em temas relacionados à operação, mas hoje em dia analisamos temas macroeconômicos e regulatórios que estejam relacionados ao negócio da sociedade alvo. 

À época da eclosão da guerra Rússia-Ucrânia, em decorrência das sanções impostas por outros países à Rússia, operações envolvendo setores com forte ligação ao país passaram a ter um maior escrutínio de investidores, de forma a melhor mensurar o impacto que pode haver no negócio da sociedade alvo. Por essa razão, o escopo do trabalho de due diligence se ampliou para cobrir também o impacto decorrente de temas não jurídicos, mas que de alguma forma possam ter impactar o negócio da sociedade alvo, seja em decorrência da rescisão de relacionamentos comerciais, restrições de atuação que possam ser impostas, dentre outras.

Fundamental também entender o perfil do cliente. Investidores locais ou estrangeiros com uma forte presença no país, e que, portanto, já conhecem o ambiente regulatório, volatilidade cambial, entre outros aspectos da nossa economia, na maior parte das vezes, costumam ser mais tolerantes ao “risco Brasil”. 

Investidores institucionais, que têm políticas mais restritivas de investimento, precisam “prestar contas”/justificar o investimento e, portanto, tomam o trabalho de due diligence como fundamental para entender riscos ao negócio, o que exige um trabalho de convencimento/esclarecimento de que os potenciais riscos ao negócio foram integralmente mapeados (sejam eles jurídicos, regulatórios ou geopolíticos).  

Paulo Henrique Carvalho Pinto, sócio da área de M&A e Private Equity do escritório Machado Meyer: ““O trabalho de due diligence tem sido ampliado para incluir não apenas áreas do direito, mas também o mapeamento de riscos macroeconômicos e regulatórios“.

GZM: Quais cuidados adicionais devem ser tomados na análise de contratos, passivos contingentes e litígios em andamento, especialmente em setores mais expostos à volatilidade econômica ou à regulação intensa?

Sérgio FogolinInicialmente, ter acesso a todos as informações e instrumentos necessários de forma transparente deve ser a primeira premissa. A verificação detalhada de todos os instrumentos relevantes, passivos e litígios com contingências específicas ou com capacidade de gerar tais contingências, com o consequente e adequado enquadramento de possibilidade de perda (em provável, possível ou remoto) trará mais conforto para a tomada de decisão, pois a situação da empresa-alvo será conhecida de forma mais abrangente, com uma maior acuracidade das provisões contábeis e respectivos impactos financeiro e reputacional.

Paulo Henrique: Importante mapear temas sob discussão que possam ter um impacto relevante na companhia e, eventualmente, quão sustentável é o negócio em caso de uma mudança regulatória. Por exemplo, discussões envolvendo a terceirização para determinados setores têm impacto direto em como o negócio é operado, mas também em como o judiciário vai interpretar eventuais litígios já em curso e o impacto financeiro que isso terá na sociedade alvo no dia seguinte. 

Ter clareza sobre esses aspectos é fundamental para que comprador e vendedor possam negociar alocação de risco; quem assumirá a conta em caso de uma mudança de lei que cause uma série de perdas no âmbito das ações em curso? Apesar de não haver regra, é comum, em operações regidas por lei brasileira, que os vendedores assumam o risco pelo período em que foram sócios na sociedade. 

A negociação em torno do pacote de indenização e garantia costuma ser intensa e, em um cenário em que perdas causadas por mudanças fora do controle das partes possam ser mais comuns, como é o caso de setores mais expostos à volatilidade econômica ou à regulação intensa, torna-se fundamental que as partes tenham clareza e mapeamento de todos os riscos envolvidos para que conscientemente possam avaliar aquilo lhe é aceitável.

GZM: De que forma cláusulas contratuais como MAC (Material Adverse Change) e garantias legais podem ser adaptadas para proteger compradores diante de cenários imprevisíveis e mudanças abruptas no ambiente jurídico?

Sérgio FogolinVemos como extremamente necessário estabelecer critérios objetivos e redação clara das cláusulas que venham a definir a ocorrência da MAC. Podemos citar como fundamentais condições, a delimitação do tempo de ocorrência da MAC, a definição da materialidade, como, p.ex., mudanças legislativas que afetem a operação e/ou a equação financeira desenhada para a aquisição pretendida, perda de receita em determinado patamar, perda de clientes-chaves, aplicação de sanção internacionais e instabilidade econômica e/ou política que efetivamente gerem efeitos adversos para as premissas da operação. 

Dessa forma, prever condições contratuais específicas, estabelecer e alocar responsabilidades para as partes de forma a atender as condições comerciais/financeiras estabelecidas para a operação e contar com mecanismos de compensação objetivos e sólidos são condições fundamentais para que uma cláusula MAC tenha solidez jurídica e comercial, possa gerar conforto, aceitação pelas partes envolvidas e, assim, ser aplicada de forma adequada somente quando necessária.

Paulo Henrique: Costumeiramente, as cláusulas de MAC preveem que itens fora do controle das partes não devem ser considerados para fins de verificação de um evento, como, por exemplo, mudanças regulatórias ou de lei. Além disso, desde eventos mais recentes, como a pandemia do COVID-19, a guerra Rússia-Ucrânia, as partes têm tomado mais cuidado para se expurgar da definição de MAC fatos/eventos extraordinários, que estejam fora do controle das partes. 

Mesmo assim, como proteção ao comprador, é importante prever que que se o impacto de tais mudanças na sociedade alvo for desproporcional aos seus concorrentes, o MAC deve ser uma porta de saída. Em outras palavras, o comprador aceita correr riscos gerais do negócio, desde que o impacto na sociedade alvo não seja desproporcional quando comparado aos seus concorrentes. A mudança deve impactar todo o setor de forma proporcional, e não a sociedade alvo apenas.

Sérgio Fogolin, especialista do setor e sócio do Siqueira Castro Advogados: “A due diligence hoje é uma ferramenta estratégica de controle e conformidade, especialmente em práticas de ESG”.

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